quarta-feira, 3 de junho de 2009

Voei

Por muitas voltas que se dê ao pensamento há sempre a necessidade de extrapolá-lo para outros lados. Não quero com isto dizer que não se volte sempre, e invariavelmente, ao mesmo sitio.
Eu volto. E muito.

Volto às tardes de Verão em S. Martinho, às tarde de gomas em Leiria, às tardes de estudo em casa, às tardes de passeios de bicicleta – volto, sempre, a um passado que foi meu e já não me pertence.

Como hoje voltei a uma Salamanca que já não é a minha.
Acordei às 6 da manhã ensopada em suor, o corpo colava, a sala acusava restos de uma noite em frente ao computador a ver 90210. Arrastei-me até à cama... rebolei. Tinha demasiado calor, as alergias continuavam a lutar contra os antihistaminicos. O pensamento voou.

Fui até 27 de Setembro de 2008.
Era Sábado, a Avó estava na cozinha com o seu chá matinal, o seu robe preto de rosas senhoriais, a Mãe acordou-me com mimos, o Paizinho tinha um ar de poucos amigos, o Kiko arrastava as muletas pela casa. No corredor as malas atulhadas de edredons, secadores de cabelo, livros, fotografias, roupa, desejos de um ano inesquecível.
Senti medo nessa manhã. Senti um medo inconfessável na altura. Acho mesmo que só o A. é que se apercebeu do medo que me consumia a partida. (Obrigada.)

Quando cheguei, o medo deu lugar a curiosidade, a planos vários, a demasiadas expectativas. A cidade era amiga, acolhedora, secretamente misteriosa e amavelmente desconhecida. Lembro-me do cheiro da casa, das ruas cheias de gente, dos vizinhos, do nojo acumulado pelos anteriores habitantes do meu challet.

Trazia comigo um caderno que a Mary me ofereceu de presente de 21 anos, a capa é cor-de-rosa, tem pequenos pormenores que definem a minha identidade, a primeira página diz “Uma Aventura em Salamanca”, as outras não são mais que aglomerados de palavras que calam pensamentos em linhas seguidas.

Fui eu durante quase 9 meses. Sou eu agora. E tanto mudou.
Quando iniciei o blog tinha em mente ir contando o que por aqui se passava, queria dar voz a uma Maria Erasmus. Queria que os estilhaços salmantinos chegassem a cada leitor com o entusiasmo com que eu os vivia.
Acho que nunca iria conseguir não falar sobre o que realmente me ia na cabeça. Esse é mesmo o meu maior problema. É ter que extrapolar (novamente esta palavra?) o que me vai na cabeça. A minha primeira página no diário de PAP, (Prova de Aptidão Profissional), se a memória não me atraiçoa, diz qualquer coisa como “pensamentos da alma, fragmentos de sentimentos” e foi sempre esta a minha política de escrita.

E de pensamento.
E de relações.
E de expectativas.

E passaram quase 9 meses e a minha vida mudou. E quando hoje, ao sair para beber café, olhei de soslaio o espelho da entrada, percebi que hoje não sou mais a Maria de 27 de Setembro, que os estilhaços de Salamanca serão mais que as aventuras contadas a quem passa os olhos ao de leve pelo blog.
São as etapas que por aqui passei, são as marcas que deixaram as noites de medo e angústia, são as tardes de pipocas e filmes, são as manhãs de leite com café a ler o Expresso on line, são os ensinamentos de uma cultura que me fascina mais do que me desilude. São as amizades que ficam nas calles, são as músicas trauteadas em jeito de Marco Paulo, são as relações que se construíram do dia para a noite, são os amigos que ficaram no Portugal dos Pequeninos e apoiaram, é a família que fez falta, foi a Maria que mudou.

Não é a mesma esta que escreve sem olhar para o ecrã. E presunção a minha achar que volto e tudo está na mesma – todos mudámos. Foram 9 meses e as coisas mudaram no cruzamento de espaço e de tempo que faz a acção.
Estupidamente, acho que só eu é que parei para pensar que mudei e não sei quando, nem como, nem porquê.
A fórmula foi-se fazendo dia-a-dia, o resultado está à vista. Não há ninguém que me convença que não posso fazer aquilo que quero. ‘Ser mujer y ser joven es una combinación explosiva’

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