sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Último Cigarro

O tempo está suspenso por um fio, demasiado sensível, brutalmente fino, incolor. A sonoridade que me rodeia prende-se com os passarinhos que acasalam na minha janela. Pergunto-me, em silêncio, o que não é dito tem menos ou mais força?, como será o meu último instante nesta casa. Afasto o pensamento. Há demasiadas coisas ainda para viver, há demasiadas conversas para ter, demasiados copos para brindar, demasiados amigos para fazer.

Acendo um cigarro. Deixo que o fumo trepe as paredes do céu, se espalhe pelos metros quadrados deste palco.

Há personagens que pairam por aqui, vejo-as, sinto-lhes o cheiro, abraço-as tropegamente. Há qualquer coisa de estranho nesta peça. Não está escrita, tem um público sublime, é um enleio de perspectivas, de ambições e meros instantes que se eternerizarão em menos de nada. Há diálogos a meio, interrompidos por qualquer coisa alheia ao espectáculo. Onde estou? E porque vim aqui parar? Alheei-me faz tempo das ruas de outrora, das gentes vizinhas. Há um mundo aqui fora.

Há um mundo aqui fora.

Novamente o pensamento. O maldito pensamento que me dispara o coração e me deixa confusa.

- Mas afinal onde é que eu estou? E quem és tu que tens uma franja e te passeias dona e senhora do mundo como se de uma Rainha te tratasses? Vês melhor agora que te tiraram a pala dos olhos?

- Sim, vejo muito melhor. Agora enxergo tudo. Há claridade nos montes, há enredos nas valas, há vida nas ruas. Há algo em ti que mudou em mim.

- Mas tu és eu?! Eu sou tu? Desde quando? Explica-me lá isso com calminha sff.

- Calma... tens a vida à tua frente, não queiras que as respostas se adiantem às perguntas, não queiras que o caminho esteja traçado mesmo antes do aquecimento. Limita-te a ficares onde estás e deixa-me agora tomar as rédeas da situação. Vou começar por umas alemãs que são mais rijas e não nos deixarão fugir desta primeira etapa... talvez depois estejamos habituadas e regradas e aí dê para aliviar... não sei. Logo vejo. Por agora, desfruta esse teu malévolo cigarro e deixa-te de questões filosóficas para o sentido da vida e das relações humanas. Não deixes que perguntas se sucedam às respostas. Aprende a calma e vive a serenidade dos pássaros. Voa – não és um pássaro enjaulado.

- Mas... espera! Não te vás embora! Tenho medo! Tenho medo...

- Não tenhas! Lembra-te que “as lagartixas cheiram a erva”.


Sonho estranho.

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