segunda-feira, 23 de março de 2009

Meu querido e estimado tempo...

Por muitas pragas que tenha rogado à cidade ao longo destes meses, há nela qualquer coisa que me deixa num estado de embriaguez que não posso explicar porque as palavras nem sempre chegam à verdadeira essência dos factos.

O tempo foge-me das mãos como areia, e nem por isso eu corro com mais pedalada do que no início – antes pelo contrário, deixo que ele me conduza lentamente até ao que um dia vai ser, mais do que hoje, o fim, aquele fim que um dia chega sempre e que deixará as saudades vivas de um tempo em que a minha mochila estava no norte de España.

Não sei o que se segue depois, ou por outra até sei. Segue-se o que se segue na ordem natural das coisas, estágio, primeiro emprego, uns anos depois um mestrado do outro lado do Oceano, umas viagens loucas à volta do mundo... o normal, disse eu? Hoje um amigo meu disse-me ‘Vais quando? Quando tiveres preocupada com a carreira, as férias marcadas ao minuto e uma carrada de filhos?’ – respondi-lhe mais rápido que o pensamento. ‘Tenho tempo!’


E não será esse o mal dos que nada fazem de jeito na vida? O terrível pensamento de que ainda se tem tempo, que se tem todo o tempo do mundo e que amanhã também pode ser o dia? É provável que seja o mal de todos os génios de gaveta, de todos os escritores de páginas que não ousam dar a ler, de todos os pintores de passatempo – não condeno. Ou até posso condenar, a genialidade deve ser partilhada, as estórias que fazem parte da nossa história também devem ser partilhadas, a arte é de todos quando é arte. O que condeno é esta coisa da minha cabeça de ‘tenho tempo’! Pode ser que não tenha tempo nenhum, se amanhã me passar um camião por cima ainda me falta fazer uma serie de coisas, se amanhã ficar com amnésia será que alguém um dia vai publicar o que nunca tirei da gaveta?

E se nada disto acontecer? Mesmo que um camião não me passe por cima e eu tenha uma vida longe de percalços farei tudo aquilo com que sonhei aos 21 anos? Ou terei um dia coragem de dar a outros o que escrevi?


Viajo até ao poeta – aquela personagem poeta que tanto atemoriza os alunos do secundário. Sento-me ao lado dele... olho-o de soslaio, tenho um respeito enorme por todos os que um dia publicaram o que a caneta desenhou em suas mãos, mesmo que não seja uma obra-prima, um Nobel, um Pulitzer, mesmo que não passe de BD ranhosa dos jornais espanhóis.

E volto a olhá-lo:

– ‘Diz-me poeta, ainda tenho todo o tempo do mundo?’ –

Não obtenho resposta. De de hoje em diante o tempo que tenho terá que ser o necessário para concretizar as coisas de primeira instância, depois até pode ser que faça as de segunda, se for uma miúda de sorte farei as de terceira e se a sorte for uma constante concretizarei todos os meus sonhos – que na sua infância não são mais que ser feliz da melhor maneira possível, com a sabedoria que vou absorvendo, com a curiosidade que vou tendo e com a liberdade de quem pode sentar-se num banco de jardim e sorrir aos pássaros que passam.


Esta é uma das razões porque esta cidade me fascina, porque as pessoas parecem ter mais tempo que o normal, porque há pais que brincam com os filhos no jardim ao fim da tarde, porque há tempo para três dedos de conversa com a vizinha, porque há gente por todos os lados nas ruas, porque os séculos e os milhões de pés que pisaram estas ruas não apagaram a magia da Ciudad Dorada. Porque aqui, o meu tempo dá para sair da faculdade a meio da tarde, passear nas ruas, fazer recados, lanchar, responder aos emails, trocar dedos de conversa com o Sr do café, acabar os trabalhos de casa, sentar-me no jardim e finalmente deixar que os passarinhos me transportem para a sua vida despreocupada de tempo, decisões e caminhos.

1 comentário:

  1. O tempo de qualidade, passa, por exemplo, por parar e ouvir o silêncio...
    Sim porque tb há "tempo" de má qualidade
    Cristina

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